‘Vivemos em um ambiente hostil para o jornalismo no Brasil’, afirma Samira de Castro, presidente da Fenaj

De acordo com Samira de Castro, houve aumento no número de ações judiciais contra jornalistas, medida que tem sido usada de forma abusiva para tentar calar os profissionais da imprensa no país  

Samira de Castro faz alerta sobre a situação do jornalismo no Brasil (Foto: Anwar Assi/Portal Panorama Real)

No final do mês de janeiro deste ano, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), principal entidade da categoria no Brasil, divulgou um relatório que trouxe um dado animador sobre a profissão no país: a violência praticada contra os jornalistas brasileiros, em 2023, caiu 51,86% em relação ao ano anterior.

De acordo com o estudo da Fenaj, dois fatores foram fundamentais para essa redução. O primeiro foi a queda dos atos de “descredibilização da imprensa”, uma estratégia que foi bastante usada durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que deixou o cargo em 2022, para atacar os profissionais da categoria. Já o segundo motivo tem a ver com a diminuição da censura praticada dentro da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) contra o trabalho dos jornalistas da estatal.

Apesar dos dados positivos apresentados pelo Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa, a presidente da Fenaj, Samira de Castro Cunha, 47 anos, prefere manter a cautela e não comemorar os índices favoráveis, uma vez que, por outro lado, a entidade registrou aumento no número de ações judiciais movidas contra jornalistas no Brasil. Para ela, essa estratégia visa “amordaçar” os profissionais da imprensa no país. “Vivemos num ambiente hostil para o jornalismo no Brasil”, dispara.

Para Samira de Castro, a luta ainda é longa para que os jornalistas possam exercer a profissão em sua plenitude no território brasileiro. Na avaliação da presidente da Fenaj, a categoria ainda enfrenta vários desafios como a precarização do mercado de trabalho e a “concorrência” das fake news.

Dentro desse processo de luta, ela destaca algumas bandeiras essenciais para a categoria, como a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 206/2012 – que devolve a obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão -, a modernização da regulamentação profissional e a taxação das plataformas digitais, medida que permitiria maior democratização no meio jornalístico e o fim do chamado “deserto de notícias”. Ela defende, também, a criação do Conselho Federal de Jornalistas, para fiscalizar o exercício da profissão no Brasil.

Para falar sobre todos esses assuntos e, também, a respeito da Campanha Salarial Nacional Unificada 2024 da categoria, a presidente da Fenaj, Samira de Castro, concedeu entrevista exclusiva ao Portal Panorama Real durante sua passagem por Manaus, onde esteve, na semana passada, para participar da posse da nova diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Amazonas. Confira abaixo:

Panorama Real: Quais são os principais desafios que os jornalistas enfrentam hoje no Brasil?

Samira de Castro: Os jornalistas brasileiros enfrentam desafios que vão desde o cenário de concorrência com os disseminadores de fake news passando pela desregulamentação crescente da profissão e, também, pela perda de direitos em função da precarização do trabalho. Vivemos num ambiente hostil para o jornalismo no Brasil. Tem, também, a questão da segurança, uma vez que o risco que é fazer o jornalismo hoje no Brasil é um desafio para a nossa categoria.

Panorama Real: Um relatório divulgado pela Fenaj, no último dia 25 de janeiro, mostrou que a violência contra os jornalistas diminuiu no Brasil. Quais fatores contribuíram para essa redução?

Samira de Castro: Tivemos 181 casos de violência contra jornalistas registrados no ano de 2023. Houve, portanto, uma redução de quase 52% em relação ao ano de 2022 muito em função da queda, principalmente, da descredibilização da imprensa, que era o método usado pelo governo anterior (de Jair Bolsonaro) para atacar jornalistas e veículos de comunicação e, também, da queda da censura que era institucionalizada dentro da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que é uma empresa pública, mas que impedia seus profissionais de tratar certos temas. Esses dois tipos de violência tiveram uma queda grande. Porém, a gente não pode comemorar por completo porque cresceu o número de ações judiciais contra jornalistas, que tentam promover um cerceamento do exercício profissional por meio dessas ações judiciais, o que é preocupante. Essa situação mostra que as pessoas estão usando a Justiça de uma forma abusiva para tentar calar os profissionais da imprensa.  

Panorama Real: A retirada da obrigatoriedade do diploma de jornalista contribuiu para a precarização da profissão de jornalista. Como está o trâmite da Proposta de Emenda à Constituição nº 206/2012, também conhecida como “PEC do Diploma”? 

Samira de Castro: Quando o Supremo Tribunal Federal, lá em 2009, resolve derrubar a Lei de Imprensa, derruba junto o único critério de acesso à profissão que tínhamos, que era o diploma de nível superior específico em jornalismo. Essa ação foi patrocinada pelos grandes veículos de comunicação. A decisão do STF fez com que o mercado se precarizasse de forma absurda. Talvez, o que o Supremo não imaginasse e nem as grandes empresas é que iríamos concorrer com as fakes news. Que iríamos precisar de um critério de acesso à profissão, como o de ir para a universidade para aprender as técnicas e os debates que envolvem a função social dos jornalistas. Hoje, toda essa realidade está sendo colocada de lado a partir do momento que as pessoas passam a acreditar em qualquer um que se diz jornalista. Não há mais critérios. O Ministério do Trabalho emite registro de trabalho até para quem não sabe ler e escrever. O Ministério do Trabalho, hoje, emite registro de trabalho para menores de idade. Então, é preciso fazer com que a PEC seja aprovada na Câmara dos Deputados para fazer valer esse critério. É fácil? Não. A PEC precisa de um quórum qualificado de dois terços. Ela já foi aprovada no Senado, por ampla maioria de votos, mas ela precisa ser aprovada por dois terços da Câmara dos Deputados.

Campanha salarial será uma das bandeiras da Fenaj em 2024 (Foto: Anwar Assi/Portal Panorama Real)

Panorama Real: Quais esforços a Fenaj tem feito para pressionar pela aprovação dessa PEC?

Samira de Castro: A Fenaj tem feito articulação. Estivemos, recentemente, em Brasília, inclusive na volta dos trabalhos legislativos da Câmara e do Senado para tentar conversar com o presidente da Câmara, Arthur Lira. Já temos o apoio de vários líderes partidários. Vamos continuar a buscar voto a voto.

Panorama Real: Além da questão do diploma, quais outras bandeiras a Fenaj tem levantado na defesa dos jornalistas brasileiros?

Samira de Castro: Nossas lutas, podemos dizer que elas já são históricas, porque elas, simplesmente, vêm de um longo tempo. Por exemplo, a atualização da regulamentação profissional, que é de 1969, está defasada. Ela não inclui as funções que surgiram com o uso da internet comercial do jornalismo, como social mídia, como o de assessor de imprensa, que emprega um terço da nossa categoria. A gente precisa ter, também, entre as nossas pautas prioritárias, o Conselho Federal de Jornalistas, que é um órgão para fiscalizar o exercício da profissão. Ter um piso salarial nacional para os jornalistas. E, também, ter uma regulamentação das plataformas digitais para que elas sejam taxadas e, a gente possa, com esses recursos, criar um fundo nacional de apoio para fomentar o jornalismo, apoiando a regionalização da produção jornalística com as peculiaridades que cada região do país tem para produzir suas notícias, por exemplo, para termos veículos e mídias de quilombolas, indígenas, negros e negras, mulheres, pessoas LGBTQIA+, ou seja, ter uma produção de jornalismo descentralizada para acabar com os chamados ‘desertos de notícias’.

Panorama Real: Em relação à campanha salarial para 2024, qual a mensagem que a senhora deixa para os jornalistas amazonenses sobre o assunto?

Samira de Castro: É importante que todo jornalista amazonense se integre ao sindicato para participar da campanha salarial nacional unificada dos jornalistas brasileiros. Com ela, nós pretendemos reconquistar direitos que são fundamentais para a nossa categoria, como reajustes dignos, medidas de segurança, combate ao assédio moral e sexual e outras que irão trazer a dignidade para a nossa profissão.

Panorama Real: De acordo com relatórios da ONU, pelo menos 122 jornalistas e outros trabalhadores de meios de comunicação palestinos morreram em função dos ataques diretos lançados por Israel nos últimos quatro meses contra a Faixa de Gaza. Esse número é maior do que a quantidade de jornalistas mortos em toda a Segunda Guerra Mundial, que durou seis anos. Como a Fenaj tem atuado para denunciar esse crime contra os jornalistas?

Samira de Castro: A Fenaj é filiada à Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), que tem denunciado esse massacre deliberado de jornalistas na Faixa de Gaza. Os números mostram que 68% dos assassinatos de jornalistas cometidos em todo o mundo, em 2023, foram na Faixa de Gaza. É algo muito grave. Esses números mostram que os profissionais viraram alvo. A proposta da Fenaj e da FIJ é que a ONU crie uma convenção internacional específica para tratar da segurança dos jornalistas. Uma norma vinculativa que os países membros assinem para garantir que nenhum jornalista vai ser assassinado e, se for, que seja punido o seu assassino.

Fonte: Anwar Assi/ Panorama Real

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