Redações estão ficando cada vez mais jovens e com pouca experiência
Corte de custos, mudanças internas e no jornalismo têm feito as empresas de comunicação demitirem jornalistas mais experientes. Sindicato classifica como “ageísmo”
Não é mais novidade: todo dia, um profissional mais experiente é demitido das redações. As desculpas são muitas — corte de custos, renovação da equipe, mudança na forma e conteúdo — ou em alguns casos, sem muitas explicações. A primeira justificativa que muitos profissionais acreditam estar por trás dessas demissões é o preconceito pela idade.
O etarismo é um preconceito que se baseia na idade e afeta diversas áreas profissionais. No jornalismo, não é diferente: há um movimento de demissão de profissionais mais velhos — que muitas vezes possuem décadas de experiência na área — em favor de profissionais mais jovens.
Esse movimento tem sido especialmente notado em emissoras de TV, onde vários jornalistas veteranos foram demitidos nos últimos meses e anos. Esse processo foi intensificado com a chegada de novos executivos, que têm buscado renovar o quadro de profissionais das empresas.
Porém, essa prática tem gerado polêmica e críticas por parte de especialistas. Afinal, é inegável que profissionais mais experientes trazem consigo um conhecimento e uma bagagem importantes para o jornalismo. As demissões de jornalistas mais velhos têm se tornado cada vez mais comuns no mercado de trabalho brasileiro.
De acordo com uma pesquisa realizada pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) em 2019, cerca de 30% dos jornalistas demitidos em todo o país tinham mais de 50 anos. O estudo aponta que a maioria das demissões foi motivada pela redução de custos das empresas de comunicação, que cortaram os salários mais altos — geralmente dos profissionais mais experientes. Além disso, a pesquisa também observa que há uma dificuldade de recolocação desses jornalistas no mercado de trabalho, que muitas vezes acabam se aposentando precocemente ou migrando para outras áreas de atuação.
Essa realidade reflete um problema estrutural do mercado de comunicação no Brasil, que valoriza a juventude e a precarização do trabalho em detrimento da experiência e da qualidade jornalística. Segundo uma pesquisa da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) divulgada em 2020, a crise na indústria de comunicação resultou na perda de mais de 40 mil empregos formais no país nos últimos cinco anos, com maior impacto nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. A idade média dos jornalistas demitidos em 2020 foi de 47 anos, em comparação com 42 anos em 2009. Além disso, a pesquisa descobriu que os jornalistas mais velhos têm menos chances de encontrar um emprego por causa de sua idade.
Caso concreto
Um desses casos foi do jornalista Luís Alberto Alves. Com mais de 36 anos de experiência, o profissional viu as portas se fecharem desde que saiu do seu último emprego em uma redação. De lá pra cá, não conseguiu mais emprego e vive à procura de trabalho. “Em um mercado cada vez mais competitivo e desigual, qualquer vaga vale a pena”, lembra ele.
De acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), desde o início de 2020 até setembro, foram fechados mais de 12 mil postos de trabalho na profissão jornalística em todo o Brasil.
“Tem duas coisas que podem estar por trás das demissões: uma é que, quando esse profissional com muitos anos de casa, ele, na gíria do RH, adquire alguns vícios. Outra é que, com a idade, as empresas acreditam que não tem mais o pique de cobrir como antes”, acredita o jornalista.
Após a demissão, Alves escreveu o livro “Flagelo do Desemprego”, que conta como superou a crise e incentiva profissionais a não desistirem diante das adversidades. Além disso, o autor relata em sua obra as estratégias que utilizou para se recolocar no mercado de trabalho e as lições que aprendeu durante esse período difícil. O autor também traça um panorama da realidade do desemprego no Brasil, abordando questões como a precarização do trabalho e a falta de incentivos.
Rescaldo da crise da imprensa
Diante da crise econômica e da própria crise da imprensa, diversos postos de trabalho foram fechados no país. De acordo com dados do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF), publicados em novembro de 2020, mais de 200 jornalistas do DF perderam seus empregos desde o início daquele ano. Os setores mais afetados foram as redações de jornais impressos e agências de notícias.
De acordo com especialistas, essa prática reflete uma cultura empresarial que valoriza mais a juventude e a rapidez do que a experiência e o conhecimento acumulado. Além disso, há uma busca por parte das empresas de jornalismo em reduzir custos e buscar profissionais mais baratos e menos experientes.
Essa realidade tem gerado uma grande preocupação em relação ao futuro do jornalismo no Brasil. Jornalistas mais velhos trazem consigo um conhecimento valioso, aliado a esta experiência o conhecimento das novas tecnologias. Porém, esses profissionais estão sendo constantemente substituídos por jovens que não possuem a mesma bagagem em relação a coberturas, contextualização e compreensão profunda da realidade do país.
Alves acredita que o novo modelo de contrações e de redações cada vez mais novos podem estar só começando, ele lembra o caso de um grande nomes do jornalista que ganharam vários prêmios, cobriram guerras, mas estão entre os cortes ” [estes profissionais] Estão indo embora. Contratam alguém ‘entre aspas’ sem experiência, para ganhar um salário muito baixo e que vai continuar carregando o piano e isso está por trás das demissões que estão aí nas emissoras, nos portais, nas revistas. E é claro que a qualidade vai cair”.
O Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (SJSP) tem se colocado contra as demissões de jornalistas mais antigos. De acordo com o presidente do Sindicato, Thiago Tanji, nos últimos anos o órgão tem percebido que muitos veículos têm optado pelo desligamento de jornalistas mais antigos, mas nos últimos anos de maneira mais avançada. “As empresas demitem jornalistas com décadas de experiência, em nome de uma chamada renovação, adequação. Mas o motivo para essas demissões é muito claro”, acredita Tanji, classificando esses casos como uma política negativa de etarismo, ou ageísmo.
O presidente aponta que as redações estão ficando cada vez mais jovens. Para ele, o problema não está em dar oportunidade para quem está começando, mas na pouca troca de experiências entre jornalistas iniciantes e experientes. “Eu trabalho na Editora Globo, em São Paulo, e assim a nossa redação e as outras redações e em outros locais também, vemos cada vez pessoas mais jovens”. Tiago deixa claro a posição do Sindicato e pelo fim das demissões por idade: “Somos a favor do emprego, pela dignidade, e a nossa profissão para todos, para todas as idades”, defende.
Demissões atingem outros países
De acordo com uma pesquisa realizada pela Pew Research Center em 2020, a proporção de jornalistas com mais de 50 anos diminuiu significativamente nos últimos anos. Em 2009, a porcentagem de jornalistas com 50 anos ou mais era de 45%; em 2019, esse número caiu para 26%. Isso se deve em grande parte às demissões em grandes empresas de mídia, que têm optado pela contratação de profissionais mais jovens com salários mais baixos. A pesquisa também apontou que a maioria dos jornalistas mais experientes que foram demitidos acabou abandonando completamente o setor de jornalismo, em vez de buscar emprego em outras empresas de mídia.
Além disso, um estudo realizado em 2021 pela Associação Nacional de Jornalistas dos Estados Unidos descobriu que os trabalhadores jornalísticos mais velhos são mais propensos a sofrer com a discriminação no trabalho, incluindo a falta de oportunidades de promoção e o tratamento injusto em relação às condições de trabalho.
Esses dados mostram que a demissão de jornalistas mais antigos tem sido uma tendência preocupante na indústria de mídia no mundo todo. Em janeiro de 2021, a federação europeia de jornalistas divulgou um relatório que apontou para a demissão de mais de 4500 jornalistas na Europa em 2020, um aumento de 50% em relação aos anos anteriores. Os dados mostram que a situação mais grave ocorreu na Espanha, França e Itália.
Em maio de 2021, o jornal britânico The Guardian anunciou a demissão de 180 funcionários em todo o mundo, incluindo 70 jornalistas, devido à queda nas receitas de publicidade. No mesmo mês, a líder de mercado alemã Axel Springer anunciou que planejava cortar cerca de 10% de seus funcionários, o que representa cerca de 1.300 empregos na Europa. A empresa citou a pandemia e a mudança para o digital como motivos para a demissão.
Por Luiz Zak (Portal da Comunicação)