Entidades denunciam intervenção de governo Ibaneis na Rádio Cultura FM do Distrito Federal
Portaria amplia controle editorial do governo sobre emissora pública considerada patrimônio de Brasília
Pedro Rafael VilelaBrasil de Fato | Brasília (DF)
Entidades da sociedade civil organizadas em torno do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) denunciam o que consideram uma intervenção da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal na Rádio Cultura FM, emissora pública que é um patrimônio da capital brasileira e está há mais de três décadas no ar difundindo artistas locais e culturas populares do Brasil e do mundo.
Uma portaria assinada pelo secretário Bartolomeu Rodrigues, publicada no Diário Oficial do DF na semana passada, determinou que a gestão da rádio será supervisionada diretamente pela Assessoria de Comunicação Social (Ascom) da pasta. Isso vale para planos e programas de comunicação da emissora, além da definição da política de divulgação institucional do Governo do Distrito Federal (GDF). A Ascom também passou a ter poderes de supervisão sobre as redes sociais da Rádio Cultura e todas as outras atividades relacionadas à comunicação no âmbito da emissora.
Em nota, o comitê do FNDC no DF, composto por mais de 15 de entidades locais, como sindicatos, movimentos sociais e organizações da sociedade civil, alegou que a mudança estabelecida pela portaria é sem precedentes e uma forma de controle indevido do governo sobre a emissora. Eles pediram uma reunião com o secretário, que ainda não ocorreu.
“A Rádio Cultura, um veículo de comunicação público, que atende toda a população do DF com uma programação cultural e jornalística, agora fica refém dos ditames da assessoria de comunicação da Secretaria de Cultura, que tem como uma das suas finalidades fazer propaganda das ações da secretaria, com conteúdos completamente diferentes daquilo que se concebe como jornalismo. Fazer assessoria de imprensa tem como princípio atender os interesses do órgão. Fazer jornalismo em um veículo público é atender os interesses da sociedade, do público ouvinte, e em se tratando da Rádio Cultura, do setor cultural do DF”, diz um trecho da nota.
O FNDC também faz uma comparação deste caso com o que vem ocorrendo na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que congrega emissoras públicas federais, que estão sob forte censura do governo Bolsonaro.
“A exemplo do que ocorre na EBC, pautas que incomodam o governo federal, aliado do governador Ibaneis Rocha, já vinham sendo censuradas nas últimas semanas. Entre elas, as investigações a respeito do assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips, no Vale do Javari (AM) e de Genivaldo de Jesus, morto por agentes da Polícia Rodoviária Federal, em Sergipe”.
Outros ataques
A nota lembra ainda que outras medidas recentes já atacavam o caráter público da Rádio Cultura, e cita a não recomposição do Conselho Curatorial da emissora, espaço que congregava sociedade civil, acadêmicos e produtores culturais com a finalidade de pensar e discutir propostas editoriais e caminhos de gestão transparente da única rádio pública do DF.
“Depois da destituição arbitrária do Conselho, único espaço de participação social na gestão da rádio, a Secretaria de Cultura retirou do ar programas históricos, alegando cumprimento de decisão do TCDF [Tribunal de Contas do Distrito Federal]”.
Entre esses programas está o Cult 22, atração comandada por Marcos Pinheiro, com mais de 30 anos de existência, voltado para a divulgação do rock de Brasília. Era o programa mais longevo do gênero e teve sua exibição na rádio encerrada em janeiro desse. Outro dos programas descontinuados no início do ano é o Canta Nordeste, que era apresentado pelos jornalistas Dioclécio Luz e Cíntia Magalhães. A atração divulgava a cultura musical nordestina, que faz parte da própria constituição de Brasília, além de abordar temas sociais e econômicos da região.
A decisão do TCDF que inviabilizou a continuidade dos programas está relacionada à proibição de captação de recursos do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) para esses programas. Com baixo orçamento e uma equipe de funcionários concursados reduzida, a Rádio Cultura historicamente contou com a colaboração voluntária de diferentes pessoas e algumas de suas atrações tinham financiamento a partir de recursos do FAC e outros apoios culturais.
“Faltou gestão e vontade política para solucionar um problema que afetou de maneira drástica a programação da rádio, que hoje, para se manter no ar, exige grande esforço dos jornalistas e profissionais que nela trabalham”, acrescenta a nota do FNDC.
O que diz o GDF
Em nota enviada ao Brasil de Fato, a Secretaria de Cultura alegou que a portaria em questão “propõe boas práticas de comunicação entre a Rádio Cultura e a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF, que a administra”. Sobre o conselho curatorial, a pasta disse que sua restituição “é uma das ações previstas nesse sentido”, mas ainda não há prazo para que aconteça.
Ainda segundo a pasta, “a Rádio Cultura passa por uma revitalização que quebra um descaso de gestões anteriores”. Cita, por exemplo, a recuperação do transmissor, em 2019, que passou a operar com potência de 8 kilowatts (Kw), suficiente para cobrir todo o DF, segundo a secretaria.
Além disso, a pasta diz que houve aquisição de novos equipamentos para os estúdios e mobiliário, contratação de locutores e operadores e chamamento de servidores do GDF, que atuam na área de radiodifusão e jornalismo, para a recomposição funcional do veículo.
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Edição: Flávia Quirino
Fonte: Brasil de Fato